sexta-feira, 30 de julho de 2010

Irmanados

Sua palavra era uma só: vento que não fazia curva, faca pura lâmina atravessando minha carne. E eu sangrando. Sua palavra, uma, só. Muitas vezes me matou. Uma só, quando dizia me amar. Uma, quando me chamava pelos apelidos mais delicados e a mesma, quando meu nome inteiro e frio luzia triste entre seus dentes raivosos. E minha carne sangrando. Quando pequeno suas mãos sempre um tanto trêmulas destrinchavam brinquedos desfazendo-os de seu encanto frágil para saber apenas como funcionavam, sem jamais conseguir devolver a eles nem sombra pálida de sua vida. A mim, me desmonta como a uma boneca de juntas duras, daquelas baratas. Tão fáceis de remontar. Mas suas mãos, também de lâmina aguda, quanto mais buscam me devolver as penas e os braços, vão me ferindo tanto, e de tantas formas, que não há, em milímetro algum de minha pele triste, marca ou dor que com ele eu não possa compartilhar.

domingo, 18 de julho de 2010

Orumalé

Minha Mãe não me pediu um presente. Ela me cobrou o orumalé quase que como uma multa. Não. Mais, como uma lição. Em cada pedra brilhosa, no espelho que reflete e devolve ao mundo o que ele me dá, em dobro, duplicado que era; nas contas coloridas, nos enfeites. O que queria Oxum, mais que o presente bonito, mais que a sua mais amada refeição era me dar de volta: devolvida, revivida a minha fé. Não apenas o crer vazio de horizontes de quem dá e espera. O que ela deseja eu tenho pra dar: uma atenção cega de quem entra num rio de água preta sem medo do mistério, posto que sou eu também oculta e delicada.




A esta hora a Sereia mergulha iluminada, castanha e um pouco mais dourada, mais amada, mais minha tendo assegurada a certeza limpa de que eu sou dela. Vejo minha Mãe, a dona da beleza, perfumada de alfazema com brincos pendurados a não mais poder, pérolas rebrilhosas de puro amor, de pura entrega. Suas pulseiras ela banha antes de a mim mesma banhar e nisso não há dor, desamparo ou tristeza posto que também sou uma jóia sua, amada.



Mamãe canta seu ilá melodioso, feliz, no alto de minha cabeça, aturde o mundo diante de mim, me toma, me ocupa. Oxum é a mãe dourada da beleza, da riqueza, da gestação. O orixá da água, da fartura, da vida. Uma deusa que se bebe numa quartinha assim, de barro tão translúcido, que eu penso ser também, de um escuro nodoso e lindo, todo o mundo.